Como as Ilhas Cayman perderam sua identidade cultural em nome de uma alimentação importada e industrializada

É preciso resgatar nossas raízes e investir em sistemas de alimentação saudáveis e locais para sobrevivermos à crise climática

Por Tahiti Seymour

Situadas nas Grandes Antilhas das Índias Ocidentais, ficam as três Ilhas Cayman que chamo de lar. Antes de Covid-19 reconfigurar a economia, esse Território Britânico Ultramarino de 160 quilômetros quadrados atraía milhões de turistas todos os anos atrás de praias imaculadas, um estilo de vida invejável no Instagram e uma hospitalidade calorosa chamada de “CaymanKind”.

Como uma caimã étnica sensível aos problemas ambientais e às questões relativas aos sistemas alimentares, acredito que com o turismo veio a vasta infiltração do tipo de cultura que atendeu aos anseios de famílias que amam fast food e de opulentos influenciadores de mídia social em busca de pequenos luxos altamente instagramáveis — inclusive no setor de comida.

Com o tempo, essa necessidade de atender às demandas de “públicos estrangeiros” acabou manifestando uma representação superficial da vida caribenha. Nossas palmeiras, pratos indígenas e sotaques só são valorizados nas plataformas das redes sociais ou nos sussurros dos mais velhos, porque na realidade, nós mesmos lutamos para manter essa imagem de hotéis, spas e restaurantes ocidentalizados, na esperança de perpetuar a circulação de visitantes pagantes. Muitos habitantes das Ilhas Cayman compartilham minha observação de nossa sociedade em constante mudança. Pode-se dizer até que é um abandono gradual de nossa autenticidade cultural, ou mesmo do nosso orgulho.

Isso não prejudicou apenas nossa identidade como povo, mas também prejudicou nossa alimentação, agricultura, meio ambiente e saúde.

Em nenhum lugar o impacto dessa mentalidade é mais autodestrutivo do que entre os jovens de Cayman — a vanguarda para combater o impacto crescente da crise climática e alimentar. Mas, infelizmente, existem poucas fontes de mensagens positivas que levariam a uma mudança de hábitos ou a um impulso para a defesa de direitos.

As lembranças da minha infância trazem de volta imagens dos prazeres da culinária multiétnica, preparada em uma quantidade que dava e ainda sobrava e servida em duas porções por prato. Meus gostos herdados, que consistiam em alimentos importados e processados, ​​me levaram a desprezar os estilos de vida vegano e vegetariano. Nunca pensei sobre a raiz das minhas escolhas alimentares, embora muitas das pessoas da minha comunidade estivessem acima do peso e indispostas.

Aprendi que ser magro fazia você parecer pobre. Afinal, é o que nós, como habitantes locais, presumimos ser. Seres primitivos sem conhecimento do valor de sua terra e do potencial que ela tem de ser modernizada — gentrificada.

Se alguém me tivesse dito naquela época que este pequeno estado insular em desenvolvimento com 70% de pessoas com sobrepeso, 40% das quais eram obesas com dietas consistindo de 80-90 por cento de alimentos importados da América do Norte tinha insegurança alimentar, eu teria dito “de jeito nenhum, sah — não no meu Cayman.”

De acordo com o USDA, a definição de insegurança alimentar é “redução da qualidade, variedade ou conveniência da dieta”. Usando esta definição, uma dieta que consiste em uma abundância de alimentos “fast” e é excessivamente dependente de importações — apesar das estatísticas de fome socialmente “aceitáveis” — ainda é sim considerada insegura.

É dessa forma que a maioria dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento — muitos deles no Caribe, como minha pequena Cayman — sofrem de insegurança alimentar. Trazendo esses fatores à luz, especialmente entre os jovens, esperamos enfatizar a urgência de reconstruirmos o papel dos alimentos cultivados localmente em nosso sistema alimentar.

Os ativistas têm clamado desde o início do século 19 para estarmos cientes de nosso consumo insustentável de “luxos” e estamos a apenas alguns passos da advertida “crise iminente” que se tornou uma realidade de pesadelo.

Eu me pergunto se, nas próximas décadas, com o declínio das safras devido aos impactos climáticos extremos da mudança climática e com o aumento do nível do mar, meu país e outros como ele terão a oportunidade de suplementar alimentos importados com o que é cultivado localmente, ou continuaremos a priorizar a “satisfação instantânea” de alimentos pré-embalados feitos a milhares de quilômetros de distância?

Se escolhermos viver esta vida, com nosso alto índice de doenças não transmissíveis, esta é também a vida pela qual escolhemos morrer.

Nas Ilhas Cayman, não temos muita terra para enterrar as pessoas, muito menos para uso na agricultura. O superdesenvolvimento e o pequeno tamanho do nosso território relegaram apenas 1% de nossa ilha a terras aráveis, próprias para a agricultura.

Dizendo isso, a mudança climática certamente acelerará a velocidade da degradação ambiental, graças aos sistemas agrícolas precários que muitas pequenas ilhas possuem. Nossos métodos de cultivo frequentemente deixam o solo vulnerável à erosão e degradação, resultando em menor produtividade e permitindo que o carbono escape para a atmosfera.

Tecnologia e métodos inteligentes para o clima e otimização de espaço, como agricultura vertical, permacultura e estufas inteligentes são raros e frequentemente inacessíveis.

Nossa vulnerabilidade como pequenas ilhas deve ser uma prioridade para discussão em ambientes políticos. Devemos todos encorajar e reintroduzir dietas locais, o que também apoiará os agricultores locais, as empresas e a saúde geral de nosso povo.

Enquanto a cultura impacta os padrões de consumo de alimentos, o mesmo ocorre com as disparidades econômicas. Como pequenas ilhas que dependem excessivamente das importações, estamos sujeitos a preços excessivamente inflacionados dos alimentos — e as estatísticas mostram que as Ilhas Cayman já são um dos países mais caros do mundo. Se você levar essa ideia mais longe, basta considerar que menos renda disponível equivale a uma menor quantidade de alimentos de alta qualidade ou a alimentos não nutritivos e de baixa qualidade.

Os alimentos importados são, via de regra, com seu alto teor de conservantes e processamento, menos nutritivos do que os alimentos locais preparados na hora. Mesmo frutas e vegetais importados têm conteúdo nutricional muito mais baixo do que os cultivados no país — este é um fato científico.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, nas Ilhas Cayman 83,7% das pessoas comem menos de 5 porções de frutas ou vegetais em um dia normal — um dos principais contribuintes para evitar doenças não transmissíveis.

O censo mais recente revelou que a hipertensão é uma das três doenças mais diagnosticadas nas Ilhas Cayman, aumentando o risco de derrame e ataque cardíaco. Um relatório de 2012 da Organização Mundial da Saúde revelou que 64% da população das Ilhas Cayman com mais de 55 anos sofria de hipertensão.

Continuaremos sendo privados de nossa saúde se nossa comunidade não abordar esse problema de um ponto de vista social, econômico, político e ambiental.

A cultura alimentar e os sistemas alimentares são a força motriz de toda a estrutura de cada sociedade, respondendo por uma série de atividades humanas, incluindo a subsistência de todas as classes sociais, o fornecimento de recursos ambientais, saúde humana e até mesmo a produção de poluentes que afetam a terra, a água e atmosfera.

Os luxos prontos para consumo podem em breve se tornar a causa de nossa morte. Nossas ações de hoje irão ditar o futuro. Neste momento, o mundo precisa de mais do que intenções positivas e embalagens coloridas. Nossa espiral descendente em direção à desnutrição e insegurança alimentar não se alinha com o estilo de vida ocidental luxuoso e moderno procurado por muitas pequenas ilhas no mundo todo, no Caribe e em minhas Ilhas Cayman.

Se você se preocupa com essas questões, considere mudar seu estilo de vida e prometa mudanças nos sistemas alimentares visitando o site do Act4food e votando em Actions4Change.

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